Lendas: António Graça de Deus 'Campainhas'

Entrevista por José Ceitil


António Graça de Deus 'Campainhas'

A história dos clubes é feita de documentos escritos, fotos e outros registos do passado relevante do seu palmarés, reflectindo a dimensão humana e o tamanho dos afectos que unem quem os viveu.

Os testemunhos orais são uma forma de conhecer o passado, apesar das traições que o tempo faz à memória dos que, generosamente, se prestam a tal. Nesta rubrica pretendemos, através de depoimentos e documentação que nos chegue, contribuir para um melhor conhecimento da história da União Desportiva Vilafranquense.






António da Graça de Deus, conhecido popularmente por Campainhas, fez parte da 1ª equipa sénior de futebol da União Desportiva Vilafranquense. Nasceu a 27 de Agosto de 1936 mas só foi registado a 2 de Outubro desse ano porque só nessa altura o seu pai conseguiu vir de Abrantes, onde trabalhava para o ministério da agricultura a operar uma debulhadora de trigo. Nesse tempo, vir de Abrantes a Vila Franca não era fácil!

Donde veio a alcunha "Campainhas"?
Teria 10 anos quando participei numa peça de teatro de um grupo de vilafranquenses que usava as instalações da antiga fábrica do Delgado para fazer teatro amador. A peça chamava-se “ A meadinha de lã”. O meu nome na peça era o Campaínhas e, como eu estava no CASI, a rapaziada do Centro nas futeboladas nos recreios, e depois no Águia, começaram a
chamar-me Campaínhas. Como nunca me importei, a alcunha foi-se sobrepondo ao nome e assim fiquei, até hoje.

Quando começaste a jogar futebol a sério?
Aos 12/13 anos, no Águia.

Porquê no Águia e não no Operário?
Porque o campo do Águia era dentro da vila e o do Operário era muito mais longe. Além disso eu estava no Centro. O meu pai estava em Abrantes e a minha mãe não sabia ler nem escrever e como era preciso a autorização do pai e eu queria jogar quem assinou os papéis em nome do meu pai, João de Deus, foi o Rogério Bico.

Lembras-te quem foi o primeiro treinador?
Creio que foi o José Pereira, que apesar de ser coxo sabia ensinar e orientava-nos bem na iniciação ao futebol.

Plantel do Águia numa foto cedida pelo próprio, onde identificou entre
outros: Luís (Pampas), Chico, Zé Alhinho, Zé Augusto e Arnaldo.
Em baixo: Pilim, Júlio (Pedunca), Campaínhas, Celestino e Pingalim
O Águia tinha boas equipas de juniores?
Tinha, com jogadores daqui e outros que vinham de fora, do Carregado, Alenquer, porque nessa altura não havia futebol nessas terras.

Em 1956, qual era o sentimento em relação à fusão?
Tanto da parte do Águia como do Operário havia divisão de opiniões mas depois teve que ser. E acho que foi bem feito e gostaria de frisar uma coisa. Passados uns anos, quando regressei do estrangeiro fui convidado para ser sócio do Mártir Santo e recusei porque o clube da terra é só um: a União.
Desde o primeiro dia que vesti a camisola fui e continuo a ser unionista de alma e coração. E mais, tive a honra de marcar o primeiro golo da União Vilafranquense. Foi no jogo de apresentação com o Atlético e empatámos 1-1.

O União foi um clube melhor que os anteriores, nos primeiros tempos?
Foi. No primeiro ano, creio que não perdemos nenhum jogo. Tínhamos muitos e bons jogadores, na reserva e nos aspirantes. Mas nos primeiros tempos existia divisão: os antigos jogadores do Águia equipavam-se num lado e os do Operário no outro. Era assim!

Não havia união?
Não… só havia dentro do campo. Quando começávamos a jogar, aí acabava-se a divisão. Era para ganhar e não pensávamos em mais nada! As coisas poderiam ter sido melhores se as
promessas da Câmara de fazer melhoramentos no campo, arranjar outro campo de treinos e construir o tal ginásio… tivessem sido cumpridas. As dificuldades começaram a surgir, o desânimo também e o grande clube foi ficando adiado.

Como foi a tua carreira no União?
Sabes, a maioria dos dirigentes eram do Operário.


Porquê?
Porque os do Águia, na sua maioria, não quiseram envolver-se no novo clube. E eu devo ter sido prejudicado com isso porque dois ou três anos depois, o Torreense convidou-me para jogar lá. Era bom para mim porque arranjavam-me emprego na fábrica de fogões Hipólito. Mas no União não me deixaram ir. Eu deixei de ir aos treinos e a Direcção do Dr.Vidal Baptista castigou-me com um ano de suspensão. Fui trabalhar para Ovar, na fábrica de motores Rabor e iria lá ficar a jogar se o João Mascaranhas e o Rocha não tivessem custeado do bolso deles o transporte da minha mobília, de Ovar para Vila Franca. Decorria a época de 1960/61, comecei logo a jogar, arranjaram-me emprego na Oficina Progresso e por
cá fiquei mais dois anos até que emigrei para Inglaterra e nunca mais joguei oficialmente.

E como dirigente?
Depois de Inglaterra fui para os Estados Unidos e regressei definitivamente a Portugal. Fui convidado para fazer parte da direcção de Machado Lourenço mas não vale a pena falar nisso, agora.

Falando da situação económico-financeira do clube, tens consciência que se não houver receitas extraordinárias provenientes de bombas de gasolina ou de algum mecenas que apareça por aí, não há forma de pagar o passivo e o clube acaba.
Tenho consciência disso e numa assembleia Geral, escudado na opinião de dois advogados, propus acabar com a União Desportiva Vilafranquense e no dia seguinte inscrevia-se o Vilafranquense União Desportiva ou qualquer coisa no género.
Começava-se cá de baixo em termos desportivos, perdia-se o direito aos subsídios municipais mas as despesas seriam menores e o novo clube seria viável. Lamento profundamente
a actual situação, gosto da União e quero lembrar que na minha família somos todos sócios: Esposa, filho e netos que são sócios desde o dia em que nasceram. Lamento também que
em Vila Franca as pessoas se façam sócios do Benfica e do Sporting mas não sejam sócios do clube da terra.

O que achas do futuro do clube?
Estou satisfeitíssimo com a subida de divisão, sem ajudas dos árbitros, mas tenho dito a toda gente que num sentido não gostava que tivéssemos subido porque vai ser preciso mais dinheiro e por outro lado se a carreira da equipa não tiver vitórias a assistência aos jogos, quer em casa quer fora, vai ser menor do que este ano onde aconteceu irmos a campos
onde estava mais gente de Vila Franca do que da terra onde jogávamos.
Gostaria de acrescentar uma coisa: nas direcções de que fiz parte nunca tive grande voz activa. Era mais um director-trabalhador. Mas apresentei as minhas ideias: propus reuniões das colectividades de Vila Franca com a câmara para tentar obter mais apoio. Além disso propus reuniões conjuntas com os clubes do concelho, mesmo que fosse a nível dos presidentes, para termos mais poder junto da câmara. Nunca me deram ouvidos.

Queres dizer mais alguma coisa para terminar?
Só dizer uma palermice mas que a minha mulher sabe que é verdade: se me saísse o Euromilhões, o meu filho não se importava… dividia parte do bolo com o clube. Gosto muito da União… Vai comigo.

José Ceitil
Jornal do União Desportiva Vilafranquense nº5

Maio de 2010

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